sábado, 7 de abril de 2018

DO FIM DO "ENSINO VOCACIONAL DUAL" E A DIFERENCIAÇÃO NOS TRAJECTOS EDUCATIVOS

Voltando ao Decreto-Lei que define os princípios de organização do currículo dos Ensinos Básico e Secundário aprovado no Conselho de Ministros do dia 5 e que entrará em consulta pública, umas notas sobre as disposições:
“- Eliminam-se instrumentos de dualização precoce, extinguindo-se os cursos vocacionais do ensino básico;
- Introduz-se flexibilidade no Ensino Secundário, dando aos alunos dos diferentes cursos e vias a possibilidade de permutar disciplinas;
Estas medidas, já anunciadas há algum tempo, parecem-me ir no bom sentido.
Como muitas vezes tenho afirmado é fundamental diversificar a oferta formativa, ou seja, promover a diferenciação de percursos. Só por esta via me parece possível atingir um objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem aceder a alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão e responder mais eficazmente à principal característica de qualquer sala de aula actual, a heterogeneidade dos alunos. Aliás, o alargamento da oferta formativa de natureza profissional no âmbito do ensino secundário que também está a acontecer apesar de constrangimentos e sobressaltos é um passo nesse sentido e tem contribuído para baixar os níveis de abandono. Importa, no entanto, garantir que esta oferta não seja preferencialmente dirigida para os "que não servem" para a escola.
Parece, pois, claro que temos de estruturar percursos de ensino com formação de natureza profissional. A questão que se coloca é quando deve ser disponibilizada esta oferta e para quem.
Relativamente ao modelo que esteve em vigor sempre considerei fortemente discutível, até num plano ético, a introdução desta diferenciação tão cedo, aos 13 anos, e “obrigatória” para os que chumbam. Por outro lado, aos 13 anos, apesar de se remeter a “decisão” para um processo de orientação vocacional que a insuficiência gritante de recursos não permite assegurar, que alunos decidem? Alguém vai decidir por eles.
Poucos sistemas educativos assumem este entendimento e o facto de o ensino alemão, a inspiração de Nuno Crato, colaboradores e admiradores, o admitir não é uma certificação da correcção do modelo como atestam as apreciações internacionais.
Na verdade, relatórios da OCDE e da UNESCO têm sustentado que a colocação dos alunos com piores resultados escolares em ensino de carácter técnico e vocacional muito cedo em vez da aposta nas aquisições escolares fundamentais aumenta a dificuldade na mobilidade social com reflexos ainda mais pesados num país como o nosso, ainda com baixa qualificação escolar em muitas famílias para além das suas dificuldades económicas.
Neste patamar etário, mais do que de ensino vocacional os alunos precisam de apoios que lhes permitam, bem como aos seus professores, minimizar dificuldades e risco de insucesso.
É real e devastador o cenário que ainda temos em matéria de retenção. Temos de responder às causas deste enorme problema mas não podemos mascarar as estatísticas empurrando os “maus” para percursos que “recebem” um rótulo de “segunda” pois são percebidos por parte da comunidade como destinados aos menos dotados, “preguiçosos” ou com problemas vários. É, no entanto, verdade que a sua deriva para o ensino vocacional também compunha estatísticas.
Por outro lado, este tipo de oferta tem de ser adequado às comunidades educativas e dotada dos recursos e meios necessários bem como de maior e efectiva autonomia das escolas. Como tem sido referido em diferentes avaliações e pelas direcções escolares esta situação está longe de acontecer.
Julgo ser de sublinhar que todos os alunos deverão cumprir uma escolaridade de 12 anos e que a idade de entrada no mercado de trabalho é aos 16 o que deve ser ponderado no desenho de ofertas formativas que envolvam trabalho em empresas. Aliás, esta questão deve, é uma forte convicção, ser também considerada quando se trata de alunos com necessidades especiais que ao abrigo de um dispositivo estranhamente designado por Currículo Específico Individual são em algumas circunstâncias sujeitos a situações pouco claras que de educação, formação ou inclusão têm pouco, seja em espaço escolar, seja em espaço institucional ou laboral. Também por isto o modelo que estava em vigor parece francamente desajustado tendo sido desencadeada a sua generalização sem que nessa altura tivesse terminado a sua avaliação.
Nesse modelo os alunos com insucesso, estamos a falar, presumo, de gente com capacidades "normais" iriam “obrigatoriamente” para o ensino vocacional. Como já referi e é reconhecido o insucesso escolar é mais prevalente em famílias mais desfavorecidas. Neste cenário, como a UNESCO reconhece, mantém-se formalmente a velha ordem, os mais pobres "destinados" preferencialmente para o trabalho manual e os mais favorecidos preferencialmente para o trabalho intelectual.
A diferenciação dos percursos é necessária e imprescindível, incluindo ensino vocacional, mas, reafirmo, deve surgir mais tarde, disponível para todos os alunos como se verifica na maioria dos sistemas educativos que se preocupam com os alunos, com todos os alunos. O que deve estar disponível desde sempre são dispositivos de apoio suficientes, competentes e oportunos a alunos e professores e alguma diferenciação que permita acomodar melhor a diversidade dos alunos.
A ideia de um ensino básico universal, constante no Programa do Governo e com a qual em princípio concordo, não me parece contraditória com a definição de alguma diferenciação de trajectos que também defendo.
Esta diferenciação pode traduzir-se, por exemplo, na introdução no que agora é o 3º ciclo de algumas disciplinas de natureza opcional.
A existência de um modelo curricular deste tipo permitiria, se necessário com orientação adequada, optimizar as escolhas dos alunos e a sua entrada no ensino secundário. Neste patamar deverá estar disponível uma oferta mais diversificada incluindo alguma já de natureza profissionalizante. Neste patamar a possibilidade agora decidida de permitira maior comunicabilidade entre as opções é positivo.
Finalmente, importa reafirmar que este caminho de diferenciação deverá ser também acompanhado pelo acréscimo real de autonomia das escolas e agrupamentos incluindo a dimensão curricular e a oferta educativa.

Sem comentários: