sexta-feira, 10 de novembro de 2017

AS NEGATIVAS DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

À semelhança do que já tinha realizado para o 2º ciclo a Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência divulga um estudo sobre o trajecto escolar dos alunos que em 2014/2015 terminaram o 3º ciclo, “Resultados escolares por disciplina - 3.º Ciclo - Ensino Público - Ano letivo 2014/2015”.
Os resultados replicam o padrão já verificado no trabalho sobre o 2º ciclo divulgado em Maio
Em termos globais o chumbo atinge 13.1% dos alunos no ciclo. Por anos o 7º é o que regista maior retenção, 16.7%, indicador também é verificado nos anos iniciais de cada ciclo. Embora no 8º e 9º a retenção diminua tal não parece decorrer de trabalho de recuperação mas do facto de muitos alunos retidos no 7º serem encaminhados para outros trajectos escolares.
Ao nível dos aspectos mais finos da retenção é inquietante que 66% dos alunos que chumbam no 7º ano reprovam a seis ou mais disciplinas sendo a Matemática a que apresenta indicadores mais pesados. No entanto, se o critério for de cinco disciplinas ou mais a taxa passa para uns dramáticos 85% que, evidentemente, são altamente condicionantes de um trabalho de recuperação bem-sucedido.
Um outro dado, também em linha com o que se verificou no 2º ciclo e sem surpresa, é a fortíssima associação entre os altos níveis de retenção e a mais disciplinas e as condições socioeconómicas familiares. De facto, em todas as disciplinas no 7º ano os alunos que reprovam e estão incluídos no Escalão A da Acção Social escolar (famílias com menores rendimentos) são o dobro de alunos com negativas mas não abrangidos pela Acção Social Escolar.
É este cenário inquietante mas que não surpreende que me leva, tal como afirmei em texto de ontem, a aguardar com alguma expectativa os dados do PISA de 2018 que incluirá muitos dos alunos agora retratados.
Já me sinto cansado de tanto falar destas matérias mas a verdade é que julgo necessário insistir. O chumbo, a retenção, só por existir, não transforma o insucesso em sucesso, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram quer se queira, quer não.
Assim sendo, a questão central não é o chumba, não chumba e quais os critérios, quantas disciplinas por exemplo. O que deve ser discutido e objecto de políticas adequadas será que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Importa também que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores.
O número de alunos por turma em algumas escolas e agrupamentos, os modelos curriculares extensos e prescritivos ainda em vigor apesar de uma “flexibilidade curricular” em experimentação mas que me levanta algumas dúvidas, insuficiência de dispositivos de apoio competentes e adequados são também exemplo de outras variáveis a considerar.
Este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.
Assim sendo, insisto, o essencial é promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social o que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho "tal pai, tal filho". Aliás, estes estudos da Direcção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência evidenciam isso mesmo, como sempre.
É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional mas não em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
Assim sendo, a qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação mas também com a valorização do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que não tem acontecido em Portugal.
Ponto.

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