sexta-feira, 28 de outubro de 2016

DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA. E A FORMAÇÃO CÍVICA?

Num texto de opinião do Público li que a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade terá referido no Congresso «Cidadania e Religião» que está em curso um processo de, cito do jornal, “criação de uma “disciplina” que forme e sensibilize para a cidadania, incluindo, com toda a naturalidade, formação sobre as realidades religiosas do nosso “universo” multicultural, e que promova a Liberdade Religiosa”.
Creio que esta afirmação passou despercebida mas é merecedora de algumas notas.
Deixem-me recordar que em Março o JN noticiava com chamada a primeira página o facto de em diferentes escolas públicas se realizarem em horário lectivo cerimónias religiosas. Os alunos que não participam ficam numa sala a “passar tempo”.
Como escrevi na altura, não me pareceu surpreendente, sabemos que assim é. No entanto, talvez seja de recordar que em matéria de religião e ensino, o Art.º 43ª da Constituição, no ponto 3 dispõe, "O ensino público não será confessional".
Por outro lado, a Concordata em vigor com o Vaticano estabelece que é dever do Estado Português garantir “as condições necessários para assegurar, nos termos do direito português, o ensino da moral e religião católicas nos estabelecimentos de ensino público não superior, sem qualquer forma de discriminação”.
Assim, no cenário actual temos a oferta nas escolas portuguesas da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica assegurada obrigatoriamente por professores pagos pelo Estado e com carreira integrada. A oferta de disciplinas de outras confissões religiosas é possível mas a expensas próprias e com professores fora do sistema.
Parece claro que esta situação viola, por um lado o princípio constitucional do ensino "não confessional", tal como a celebração das missas e, por outro lado, um princípio de equidade face à também consignada constitucionalmente liberdade religiosa.
Podemos discorrer longamente sobre a justificação para que este quadro permaneça com estes contornos, no entanto, não é esse o meu ponto.
Sou dos que continua a entender que a educação deve integrar imprescindivelmente uma dimensão de formação pessoal, ética e cívica. Estaremos a falar dos valores a que se referiria a Secretária de Estado.
Como muitas vezes afirmo, se tal não acontecer temos "apenas" ensino de um conjunto de saberes instrumentais que sendo importante não pode ser, não deve ser, o "tudo" da educação.
Acontece que o Estado que tem assumido os custos da permanência da oferta obrigatória da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, de frequência facultativa e aceita a celebração de missas nas escolas, é o mesmo Estado que erradicou a Formação Cívica para todos os alunos dos conteúdos curriculares do ensino básico assumindo uma visão redutora e perigosa do que é educação e entendeu por bem expurgar ou minimizar nos currículos de tudo o que não considera de forma estreita “estruturante” ou “essencial”.
Esta é, do meu ponto de vista, a questão central.
Quando há uns meses escrevi sobre esta questão fui abordado por vários docentes de Educação Moral e formação Cívica que me referiram realizar nas suas aulas um empenhado e significativo trabalho de formação para os valores e com dimensão ética. Não duvido e ainda bem que assim é, mas do meu ponto de vista não se alteram os termos em que a questão se deve colocar.
Veremos o desenvolvimento desta narrativa.

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