domingo, 29 de maio de 2016

DO ENSINO PRIVADO E DO ENSINO PÚBLICO

Os estabelecimentos de ensino privado com contratos de associação estão hoje em protesto em Lisboa contra a decisão do ME de apenas aceitar o financiamento de novas turmas em início de ciclo quando não exista resposta nas escolas públicas da mesma área geográfica. Como tenho vindo a afirmar este protesto tem assumido contornos feios com a utilização e manipulação inaceitável de informação e mesmo das crianças que frequentam alguns dos estabelecimentos envolvidos.
Entretanto, é também anunciada pela FENPROF a realização de uma manifestação em defesa da escola pública a realizar em Junho.
Algumas notas breves.
Um dos grandes equívocos intencionalmente criados neste processo é a ideia de que está em causa o ensino privado. Não, não está em causa o ensino privado. Este subsistema é imprescindível até como como forma de pressão sobre a qualidade da resposta pública e a questão dos contratos de associação envolve apenas 3% dos estabelecimentos de ensino privado. Veja-se por exemplo, a habilidosa nota do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa que “manifestou o seu apoio “a esta e outras iniciativas que, com ordem e civismo, defendam a liberdade dos pais escolherem a escola e projectos educativos que desejam oferecer aos seus filhos”. Estes senhores sabem muito bem que não é isto que está em causa.
Um outro equívoco tem sido afirmar que a questão dos contratos de associação tem a ver com a designada “liberdade de escolha”. Não, não tem a ver com a liberdade escolha pois só se aplicam em 3% do universo dos estabelecimentos e foram criados porque … não há escolha, não existindo resposta nas escolas públicas o estado financia a resposta disponibilizada por privados. A alteração habilidosa de Nuno Crato retirando este requisito não chega para alimentar a ideia de que está em causa a “liberdade de escolha”.
A hipocrisia de proprietários, direcções e Igreja sobre as consequências nos postos de trabalho e nas movimentações de alunos dos estabelecimentos é sem limites. Para além de serem conhecidas condições degradantes de trabalho e precariedade em vários estabelecimentos, nunca se lhes ouviu um lamento pelas consequências do encerramento de milhares de escolas e consequente deslocação das crianças e pela saída de milhares de professores do sistema público em consequência de políticas educativas que, simultaneamente, protegiam interesses privados.
Um outro equívoco instalado e alimentado nos protestos é a ideia de que o ensino privado é garantia de qualidade e o ensino público é o inferno. A excelência não é um exclusivo da escola pública nem do ensino privado. As análises de resultados quando devidamente consideradas todas as variáveis mostram isso mesmo, sendo ainda que, e isto é o mais importante, só a educação e escola pública podem garantir a equidade de oportunidades. Mais uma vez se foram disponibilizados publicamente os dados sociodemográficos dos alunos do ensino privado esta questão fica absolutamente esclarecida.
Finalmente, do meu ponto de vista, não podemos diabolizar o ensino privado, é legítimo e necessário.
No entanto, é fundamental que o financiamento público aos estabelecimentos de ensino privado deve acontecer apenas quando justificado o que, aliás, esteve na génese dos contratos de associação.
A avaliação, regulação e escrutínio sobre o funcionamento do ensino privado deve, tal como no sistema público, ser rigoroso, transparente e conhecido.
A defesa da educação e da escola pública não deve ser feita em luta contra o ensino privado, Deve ser assumida face às decisões políticas e aos interesses e visão que nela desinveste.
Sem demagogia é bom não esquecer que nos estabelecimentos de ensino privado existem muitas crianças, pais, professores e funcionários que se vêem manipulados, atropelados e pressionados pela defesa dos interesses de direcções e empresários.  
Seria desejável fôssemos capazes de com a serenidade possível evitar esta crispação que, basicamente, apenas serve quem se serve da educação como negócio.

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