quinta-feira, 21 de abril de 2016

DO BULLYING

O calendário das consciências determina para hoje o Dia Nacional de Sensibilização ao Cyberbullying.
Diferentes estudos sugerem que em Portugal entre um quarto e um terço dos adolescentes entre os 13 e os 15 anos já se terá envolvido em episódios de bullying verificando-se com particular preocupação a subida significativa de cyberbullying. Um estudo da Universidade do Minho hoje referido na imprensa sugere que 10% dos alunos inquiridos já terá sido vítima desta forma de bullying.
Duas notas específicas relativas ao cyberbullying que mostra o seu potencial risco. Contrariamente ao bullying presencial não tem “intervalos, normalmente os fins-de-semana pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo.
Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.
Em termos globais, sabe-se também que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o emergente cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores ou funcionários.
Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Recordo um estudo com uma escala significativa divulgado na Lancet Psychiatry evidenciando que o bullying assume impactos negativos mais significativos no bem-estar psicológico dos adolescentes aos 18 anos que maus tratos de adultos sofridos na infância. Mostra ainda que crianças maltratadas na infância são vítimas potenciais de bullying em adolescentes.
Estima-se que nos últimos três anos o fenómeno tenha provocado pelo menos 12 suicídios nos Estados Unidos. Recordo ainda que foi anunciado em 2013 que a Direcção-geral de Saúde iria promover em várias escolas do país um projecto de prevenção do suicídio dirigido a adolescentes. Felizmente, a taxa de suicídio adolescente em Portugal não é muito alta, embora um só caso já seja uma tragédia. No entanto, os comportamentos de natureza autodestrutiva são bem mais prevalentes do que se pensa. Em algumas circunstâncias, mais tarde estes comportamentos podem culminar em suicídio.
Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.
Relembro que o Portal sobre o bullying teve durante o seu primeiro ano de funcionamento cerca de 650 000 visitas e respondeu a 700 solicitações.
Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Entretanto estão criados vários portais e disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.
Lamentavelmente, a generalidade destes serviços é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento.
A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é, a par de ajustamentos nos modelos de organização e funcionamento das escolas e de uma séria reestruturação curricular, uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola, espaço onde passam um tempo enorme.
Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

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