quarta-feira, 7 de outubro de 2015

SUCESSO ESCOLAR, AVALIAÇÃO E EXAMES

Segundo os dados disponibilizados no portal Infoescolas do MEC e que merecem uma análise não compatível com este espaço podemos constar que, em síntese, apenas 41.5% dos alunos realizaram o 3º ciclo em 14/15 sem retenção num ano anterior e com sucesso nos exames nacionais de Português e Matemática. No 2º ciclo a percentagem de alunos que concluíram os exames nacionais do 6º ano também em 14/15 com nota positiva e sem retenções anteriores no ciclo é de 53%.
Os dados mostram também que as taxas de retenção no 7º, 8º e 9º estão mais altas em 14/15 que em 10/11.
Por coincidência amanhã realiza-se uma iniciativa da Fundação Francisco Manuel dos Santos em que será feita a defesa do aumento de exames como forma de promover a qualidade do desempenho de alunos, professores e escolas. A intervenção é da investigadora Margaret Raymond, Centro de Investigação em Resultados Educativos da Universidade de Stanford que estudou a realidade portuguesa.
Para além desta visão sobrevalorizadora dos exames e da medida na aprendizagem, a investigadora defende que a redução de alunos por turma não tem impacto evidente nos resultados escolares e ainda “a necessidade de reduzir o corpo docente” que em Portugal foi “ignorada de forma criativa”.  A Professora Margaret afirma ainda em entrevista que "Os jovens que querem ser professores dizem que preferem ser remunerados conforme o sucesso que conseguem. Portanto, a progressão deve estar ligada a um sistema de compensação". 
Curioso este conjunto de informações que serão música nos ouvidos de Nuno Crato e um bom serviço prestado à sua política mas que os dados teimam em não confirmar. Algumas notas.
A avaliação escolar, através de diferentes dispositivos, cumpre três funções essenciais, a certificação, da aquisição de saberes ou de competências por exemplo, a ordenação, os resultados dos alunos dispersam-se por um escala, 0 a 20 ou 0 a 100, e a de regulação, recolher informação que permita identificar fragilidades nos processos de trabalho com vista à sua correcção.
Os exames nacionais procuram cumprir, sobretudo a primeira e segunda funções, a certificação e a ordenação. Neste cenário surgem as primeiras questões, que competências ou saberes devem ser adquiridos. Não é fácil, antes pelo contrário, que um só exame consiga avaliar o "tudo" que pode ser avaliado, por esta razão, o exame não pode ser o "tudo" em matéria de avaliação.
Uma outra questão que se reflecte nos resultados e na sua ordenação, prende-se com o grau de dificuldade das avaliações. Como é óbvio, se mais difíceis descem as médias, mais fáceis sobem as médias. A questão central nesta matéria é construir um exame que não se destine a "passar muitos" ou a "chumbar muitos", mas um exame que contenha o grau de dificuldade ajustado, face às competências e saberes em avaliação. Os bons professores sabem, certamente, como construir um bom exame. O problema é que é neste campo que assenta boa parte da gestão política, ou seja, a tentação de construir resultados mais ou menos simpáticos conforme a agenda dos interesses. Temos tido muitos exemplos ao longo dos últimos anos.
A este propósito, recordo, de novo, um trabalho notável do Professor Gert Biesta, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy", onde afirma que uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada desta dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?"
Na linha do que tenho vindo a escrever por aqui, reconhecendo a óbvia importância dos exames, creio que questão central da qualidade não é a avaliação através dos exames, mas os conteúdos e os processos de ensinar e aprender e, naturalmente, os seus resultados. É nesta matéria que me parece que devemos centrar as atenções, na qualidade na extensão e conteúdos dos programas, na correcta definição dos objectivos a atingir, nas metodologias de trabalho de professores e alunos e, finalmente, na disponibilidade de apoios oportunos e eficazes às dificuldades de alunos e professores, justamente o que parece faltar à política educativa. Os dispositivos de avaliação final são uma parte fundamental, imprescindível e integrada de todo este processo e não O fim das aprendizagens. Dito de outra maneira, dentro das três funções essenciais para a avaliação escolar que acima enunciei, esta função reguladora assume uma importância que é esbatida pela sobrevalorização mágica que a actual equipa da 5 de Outubro faz dos exames.
Por outro lado, como um Relatório do CNE deste ano sublinhou e muitos estudos, nacionais e internacionais, também mostram, os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso.
Nesta conformidade e do meu ponto de vista insisto, a questão central é que tipo de apoio, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.
Neste cenário a insistência na introdução de mais exames como panaceia da qualidade corre, do meu ponto de vista, o risco levar a que o trabalho escolar se organize quase que exclusivamente centrado na preparação dos alunos para a multiplicidade de exames que realizam.
Esta perspectiva, mais exames como fonte de qualidade, parece decorrer da estranha convicção de que se medir muitas vezes a febre, esta irá baixar o que é, no mínimo, ingénuo.
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc. É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção como também foi referido na recomendação do CNE.
O problema é que de há muitos anos a educação anda à deriva das agendas políticas.
A defesa de mais exames, como muitas vezes é feita, corre o risco de sustentar um discurso demagógico, as referências a exigência e a rigor vendem bem, facilitista este sim, mas deixa de lado os aspectos mais essenciais.

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