domingo, 26 de julho de 2015

DOS MANUAIS ESCOLARES

Considerando o elucidativo trabalho do Público sobre os manuais escolares e dada a sua pertinência recupero umas notas que também foram publicadas no jornal há alguns dias.
Falta pouco para começar a romaria das famílias às papelarias e agora também às grandes superfícies comerciais para a compra dos manuais escolares. No ano passado assisti na papelaria do meu bairro a um diálogo de que reproduzo o essencial o mais fielmente possível.
Bom dia, queria encomendar os livros para a escola.
Sim senhora, é desta escola aqui?
Sim.
De que ano?
Do 8º.
Vou tomar nota. Quer os livros todos?
Sim, parece que são precisos todos, é muito dinheiro. Mas não quero os CDs.
Não quer os CDs?
Não, não servem para nada, só para gastar dinheiro. O ano passado comprei os CDs e a minha filha disse que não foram usados. Este ano não os compro.
...
De facto, a questão dos manuais escolares é uma matéria importante e não só pelos custos para as famílias. Apesar do meritório esforço do Movimento pela Reutilização dos Livros Escolares com a criação de uma rede muito significativa de bancos de troca de manuais escolares e das iniciativas dispersas de outras entidades ou autarquias continuo a pensar que esta questão merecia ser repensada.
Do meu ponto de vista, verifica-se um excesso de "manualização" do trabalho dos alunos, potenciado com o aumento do número de alunos por turma e pelo modelo de currículos assente nas metas curriculares, não porque existem mas pela forma excessiva e inadequada como foram definidas. Acresce ainda a rápida e incoerente mudança de currículos ou dos manuais aprovados nas escolas e agrupamentos que também obrigam à substituição de manuais.
Tal situação tem óbvias implicações didáctico-pedagógicas e, naturalmente, económicas pelo peso nos orçamentos familiares.
Recordo que no quadro constitucional vigente, lê-se no Art.º 74º (Ensino), “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;
Na verdade, o ensino obrigatório nunca foi gratuito nem universal, vejam-se as taxas de abandono, e os custos incomportáveis para muitas famílias dos manuais e materiais escolares num cenário em que a acção social escolar é insuficiente e tem vindo a promover sucessivos ajustamentos nos valores e critérios de apoio disponibilizados. No universo particular das famílias com crianças com necessidades especiais os custos da escolaridade obrigatória e gratuita são ainda mais elevados, bem mais elevados.
Voltando aos manuais, apesar da progressiva disponibilização de outras fontes de informação e do acréscimo de acessibilidade através das tecnologias de informação e de outros suportes, a utilização dessas fontes alternativas aos manuais é baixa e pouco valorizada por pais e alunos.
De facto, embora o abandono do “livro único” tenha ocorrido há já bastante tempo e de uma preocupação, ainda pouco eficaz, com a qualidade dos manuais, predomina a sua utilização e dos materiais de apoios que lhes está associado, cadernos de exercícios e fichas, cadernos de actividades, materiais de exploração, CDs, etc., etc., que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares.
Em muitas salas de aula, também pela natureza da estrutura e conteúdos curriculares e do estabelecimento das metas curriculares nos termos em que o foram, corre-se o risco de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor tenderá a ser, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
Creio que a redução da dependência dos manuais passaria, entre outros aspectos, por uma reorganização curricular, diminuindo a extensão de alguns conteúdos, a redução do número de alunos por turma ao abrigo de uma verdadeira autonomia das escolas, o que permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes incrementando, por exemplo, a acessibilidade a conteúdos e informação diversificada que as novas tecnologias oferecem.
É importante caminharmos no sentido de atenuar a fórmula predominante, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.
Julgo também que seria de considerar a possibilidade dos manuais escolares serem disponibilizados pelas escolas e devolvidos pelos alunos no final do ano lectivo ou da sua utilização, sendo as famílias penalizadas pelo seu eventual dano ou extravio e ficando, assim, com "folga" para aquisição de outros materiais, livros por exemplo, um bem com pouca presença em muitos agregados familiares. Este modelo não é novo, é usado em vários sistemas educativos.
Como é evidente, dentro desta perspectiva, a própria concepção dos manuais deveria ser repensada no sentido de permitir a sua reutilização.
Não esqueço, no entanto, o peso económico deste mercado e como são os mercados que mandam ...
Mas num tempo em que, na minha perspectiva, a escola pública e a sua qualidade estão sob ameaça e sendo Portugal um dos países europeus com maior assimetria na distribuição da riqueza, importa prevenir o risco acrescido de condições de insucesso escolar e abandono com repercussões graves no acesso à qualificação, a base da mobilidade social e do desenvolvimento.

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