sexta-feira, 20 de março de 2015

SIM, ELES SÃO CAPAZES

"Pais querem que professores “puxem” pelos seus filhos com trissomia 21"

É um lugar comum afirmar que o trabalho em educação é um desafio constante dada a diversidade dos alunos, dos contextos sociais e culturais, dos contextos escolares, dos conteúdos curriculares, dos efeitos das políticas educativas, etc, etc. De uma forma mais particular, o trabalho educativo com crianças ou jovens com necessidades especiais é ainda mais desafiante pois, a tudo o que o que já referi, acrescem as especificidades decorrentes de cada situação. Neste universo mais restrito, ainda releva o caso dos alunos com dificuldades de natureza cognitiva, independentemente da terminologia empregue.
Esta situação começa pela própria representação existente sobre a deficiência cognitiva, muito mais ambígua e indefinida que a representação sobre outra área de problemas, ou seja, de forma simplista, num pessoa com uma deficiência motora ou visual os seus problemas são percebidos de uma forma mais clara do que numa pessoa com deficiência cognitiva. Este discurso não tem a ver com maior ou menor "dificuldade" no trabalho a realizar, mas sim com percepção instalada sobre a natureza dos problemas.
Voltando à situação dos alunos com problemas de natureza deficiência cognitiva, (mantendo a terminologia), logo a questão da avaliação é particularmente difícil. Do meu ponto de vista, não existe nenhum dispositivo de avaliação no qual caiba inteira uma criança com deficiência cognitiva, como não existe para nenhuma pessoa considerada normal. Lembro-me sempre de uma afirmação velha "se existisse o melhor teste do mundo continuaríamos a ter apenas uma amostra do que uma criança é, sente, pensa ou sabe".
Em segundo lugar, o espaço é muito curto, coloca-se a questão dos conteúdos e dos contextos educativos. Hoje em dia, com maior ou menor convicção, com maior ou menor capacidade de sustentação, entende-se que os conteúdos do trabalho e os contextos de trabalho devem, tanto quanto possível, sublinho, tanto quanto possível serem aproximados dos conteúdos e contextos definidos e pensados para os alunos da mesma faixa etária, fazendo as necessárias adequações, difíceis frequentemente, em função de cada situação e assentes num princípio de diferenciação.
No nosso sistema, para além dos efeitos sérios das políticas de austeridade e da visão instalada na 5 de Outubro, muitos destes alunos são acantonados numa entidade designada por Currículo Específico Individual - CEI, uma bizarrice conceptualmente redundante, se uma estrutura curricular é desenhada para um indivíduo será, evidentemente específica, donde fica estranha a designação. Em muitas circunstâncias, apesar de excelentes práticas que aqui registo e saúdo, o trabalho desenvolvido ao abrigo dos CEIs é, do meu ponto de vista, parte do problema e não parte da solução, situação potenciada com a Portaria em vigor relativa ao trabalho nas escolas secundárias para os alunos com “CEI” a cumprir escolaridade obrigatória.
É um trabalho inconsequente, assente em avaliações pouco consistentes, descontextualizado, mobilizando pouca participação e envolvimento nos contextos em que os alunos se inserem. Dito de outra maneira, em algumas circunstâncias o trabalho desenvolvido com estes alunos é ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.
Tal facto, não decorre da incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados e competentes, mas da sua própria representação sobre este grupo de alunos, isto é, não acreditam que eles realizem ou aprendam. Desta representação resultam situações e contextos de aprendizagem, tarefas e materiais de aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco relevantes, que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.
O que acontece, sem ser por magia ou mistério, é que quando nós acreditamos que os alunos são capazes, eles não se "normalizam" evidentemente, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem e são capazes de ... , o que fazemos, provoca progresso, o progresso possível.
E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas e toda a restante comunidade.

Sem comentários: