quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

UM PAÍS DE RASPADORES. Uns raspam-se daqui, outros agarram-se à raspadinha

Portugueses apostam seis vezes mais na raspadinha do que antes da crise

Segundo dados da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, os portugueses apostam seis vezes mais na “raspadinha” nesta altura, que no início da crise, chamemos-lhe assim.
Em 2010, a lotaria instantânea, mais conhecida por “raspadinha”, teve 105 milhões de receitas brutas. Nos primeiros 11 meses de 2014, o valor chegou aos 625 milhões de euros, e estima-se que no final atinja 680 milhões. De facto, em quatro anos o investimento dos portugueses na “raspadinha” subiu cerca de 550%, sendo de considerar que nestes quatro anos o rendimento das famílias portuguesas baixou significativamente.
Como é óbvio, os portugueses, sem perspectivas de futuro, viraram-se para a busca da “sorte” e assim o país transformou-se num país de raspadores, uns raspam-se daqui para fora, à procura do futuro que por cá não mora, os que ficam desataram a raspar à cata de uns euros que contribuam para a sobrevivência.
Parece que mais do que nunca o futuro está na sorte, no raspar, no jogar. No entanto, acho curiosa esta atitude e a justificação que se ouve recorrentemente.
Na verdade, julgo que se pode afirmar que em muitos lares portugueses, e não só, hoje mais do que nunca, uma das frases mais ouvidas é “nunca mais me sai o euromilhões, para deixar de trabalhar”. Cada um de nós já ouviu, pensou ou disse esta expressão alguma vez ou vezes. Creio também que não é usada apenas pelos cidadãos com maiores dificuldades. Acho curiosa a sua utilização. Entendo, naturalmente, a ideia subjacente à primeira parte. Um prémio de valor substantivo representaria, seguramente, a hipótese de acesso a um patamar superior de bem-estar económico, desejado, naturalmente, por toda a gente. O que de facto me parece mais interessante é o complemento “para deixar de trabalhar”. É certo que nem todas as expressões devem ser entendidas no seu valor “facial”, mas é também verdade que a recorrente afirmação deste desejo acaba por ilustrar a relação que muitos de nós estabelecemos com o lado profissional da nossa vida, isto é, “quero livrar-me dele o mais depressa possível”. Não será grave, mas é um indicador que possibilita várias leituras.
Sabem qual é a minha inquietação? É se os miúdos, considerando a agitação que vai pelo seu mundo “laboral”, desatam a pedir um aumento de mesada que lhes permita apostar no euromilhões para … deixar de ir à escola.
Já estivemos mais longe.

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