quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

MALTRATAR NÃO É GOSTAR

Um trabalho da responsabilidade da Universidade do Porto envolvendo um grupo populacional significativo, cerca de 3000 jovens nascidos em 1990, mostra alguns dados interessantes.
Um primeiro aspecto a sublinhar é o salto muito significativo do nível de escolaridade atingido por estes jovens, três vezes o da escolaridade média dos seus pais. Se  por um lado este indicador atesta o trabalho desenvolvido no sistema educativo nos últimos anos e já emergente nos resultados obtidos nos estudos comparativos internacionais, que, do meu ponto de vista podem ser ameaçados por alguns aspectos da actual política educativa, importa registar que, tal como a OCDE há dias divulgava, ainda existe uma muito forte relação entre a qualificação escolar dos pais e a qualificação dos alunos melhor sucedidos, isto é, a formação mais avançada é tendencialmente conseguida por jovens cujos pais são também mais qualificados e que o nível médio dos pais é muito baixo pelo que a diferença para os filhos assume maior expressão.
Um outro dado prende-se com os consumos, álcool e tabaco, comportamentos de risco, na condução por exemplo, e violência nas relações interpessoais de namoro. Constata-se que a subida do nível de escolarização não parece suportar mudanças significativas nos comportamentos. Por razões de espaço, algumas notas apenas dirigidas para este último aspecto, menos abordado de um forma geral, a violência nas relações pessoais mais íntimas.
No âmbito das relações de namoro, 60% dos jovens inquiridos relataram pelos menos um caso de agressão psicológica, insultar por exemplo. Um em cada três jovens também refere pelo menos um episódio de coacção sexual e 18 % referiram pelo menos um acto de violência física, bater ou arremessar um objecto com o objectivo de atingir o outro. É ainda de registar que mais de metade dos jovens envolvidos assumem o estatuto de vítimas mas também de agressores.
Estes números que são coerentes com outros estudos sobre comportamentos de violência nas relações amorosas indiciam o que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais.
Recordo um trabalho interessante de há alguns meses divulgado UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, um estudo envolvendo 885 pessoas com idades entre os 11 e os 18 a frequentar escolas da área do Porto e de Braga. Em síntese, para mais de metade dos inquiridos neste estudo será normal proibir ao namorado(a) o uso de determinadas roupas, 5% dos rapazes acham que agredir a namorada não é violência. 25 % dos rapazes e 13,3% das raparigas acham que humilhar o parceiro(a) é legítimo e 15,65 dos rapazes e 5% das raparigas entendem que ameaçar é um comportamento normal.
Este conjunto de dados é preocupante mas creio que não é surpreendente. Os dados sobre violência doméstica em adultos deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados destes e de outros trabalhos.
Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento que os nossos desejos e estão, também e obviamente, ligados ao quadro de valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é relevante a percentagem de jovens que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus tratos.
Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Entretanto e enquanto não, "só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?"

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