sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A SAÚDE MENTAL DOS ATÍPICOS PORTUGUESES

Segundo estudos do Gabinete de Estudos e Projectos do Infarmed, o consumo de psicofármacos em Portugal aumentou exponencialmente entre 2000 e 2012. O consumo de antidepressivos mais do que triplicou, o de antipsicóticos aumentou 170% e o de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos cresceu 6% mas é o grupo com maior consumo. Comparando com outros países europeus, Itália, Noruega e Dinamarca, o consumo de tranquilizantes em Portugal está bastante acima. Estes dados estão em linha com outros estudos. Recordo dados de 2007 divulgados pelo Alto Comissariado da Saúde referindo que em Portugal, em média, se verificava um consumo diário de 152,1 psicofármacos por cada mil habitantes, enquanto a média da EU para 2006 teria sido de 42,3, uma diferença significativa.
Aliás, já em 2011 o Infarmed referia que o consumo de psicofármacos em Portugal subiu 52% entre 2000 e 2009, sendo que os encargos do SNS com esta gama de medicamentos subiram 213% no mesmo período.
Relembro ainda que no final de 2010, um estudo da OMS sobre o universo da saúde mental revelava que em Portugal, dois em cada dez indivíduos sofrem de alguma forma de perturbação. Só mesmo os americanos parecem mais "perturbados" que nós e os espanhóis não chegam a atingir metade da nossa taxa de perturbação.
Parece ainda relevante sublinhar que a área de maior prevalência de problemas é a das perturbações da ansiedade o que até não surpreende face ao nosso quotidiano.
Sendo poucos os dados em que nos distinguimos pela positiva, e quando se verificam não são suficientemente valorizados o que traduz uma outra atipicidade nossa, começa a ser preocupante esta conjugação negativa de dados e padrões que nos caracterizam nas mais diversas áreas de funcionamento. Tudo isto representa uma séria ameaça à nossa auto-estima e à confiança que seria importante sentirmos o que alimenta, também, as situações de mal-estar que nos parecem caracterizar. Como se não bastasse ainda apareceram uma rapaziada de umas tais agências de rating que nos consideraram lixo.
Por outro lado, de há uns tempos para cá entrou no léxico comum da cena política uma terminologia vinda da área da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns exemplos. É muito frequente a referência a estados de depressão, o país está deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são consideradas deprimidas, etc. Diz-se com todo o à vontade que certos comportamentos políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador, amador ou profissional, que não se refira a autismo, autista ou esquizofrénico para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se que a Assembleia da República aprovou uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamentos obsessivos ou alucinados, etc. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima dos portugueses. A comunidade atribui o estatuto de inimputável ao Dr. Alberto João o que o deixa “à solta” dizendo ou fazendo a primeira coisa que lhe passa pela cabeça.
Neste contexto e considerando ainda a situação grave que o país tem vindo a atravessar, não é de estranhar que os portugueses depositem nos psicofármacos a esperança em dias melhores.
Temo que numa próxima versão do Diagnosis and Statistical Manual of Mental Disorders ainda possa surgir uma entidade clínica capaz de explicar esta estranha atipicidade dos portugueses e transformar-nos numa espécie de case study para a comunidade científica internacional, em diferentes áreas.
Já faltou mais.

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