sábado, 21 de setembro de 2013

VAIS PARA A ESCOLA MIÚDO? NÃO, VOU PARA A FÁBRICA. (take 2)

O texto de Paulo Guinote sobre o ensino dual em modo Nuno Crato, leva-me a retomar umas notas sobre este universo que permanece profundamente actual, pois este ano irá aumentar exponencialmente, cerca de 3000%, o número de turmas para o ensino vocacional, uma espécie de "alunão", um recipiente para onde se enviam a partir dos 13 anos os alunos que não prestam e devem ser reciclados, tal como existem o vidrão, o pilhão ou o papelão para reciclar este tipo de materiais.
Não é estranho, dada a orientação do MEC de ir aliviando o "ensino regular" dos alunos "preguiçosos e burros" que só atrapalham e não deixam que os resultados escolares, quer dizer, os exames, o mantra de Nuno Crato, sejam excelentes. Na verdade, é mais interessante criar turmas de "descamisados" do que estruturar apoios e recursos que os mantenham, tanto quanto possível, no ensino "regular". Esta ideia é vendida sob o princípio ajustado e que deve ser considerado de diferenciar e diversificar os percursos educativos mas contem o pecado original de se destinar privilegiadamente e "obrigatoriamente" aos chumbados como todos sabemos que na prática acontecerá.
Estas turmas que funcionavam o ano passado em "projecto-piloto" serão generalizadas, ainda que seja impossível proceder a qualquer avaliação consistente por mais que Ramiro Marques se esforce por vender o "produto".
Os alunos do ensino vocacional vão poder assim fazer o 3º ciclo de forma curiosa, diz Ramiro Marques, "Um aluno que já repetiu por duas vezes o 8.º ano terá, assim, a possibilidade de completar num ano o 3.º ciclo em vez de estar a repetir de novo os mesmos anos". Porque o currículo é "aligeirado" à excepção das áreas de Português, Matemática e Inglês, justamente, as disciplinas que mais insucesso provocam, não se percebe muito bem como tal modelo pode ser bem sucedido em um ano. Acontece ainda que estes alunos poderão transitar para o secundário sem realizar os exames nacionais do 9º, o fetiche de Nuno Crato, e Ramiro Marques já anuncia a intenção de que possam aceder ao superior politécnico sem os exames nacionais do secundário.
É extraordinária a cambalhota, depois de defender até à náusea os exames como base do rigor, qualidade, sucesso e excelência, o MEC cria um percurso educativo para alunos de segunda que os leva do básico ao superior sem os incontornáveis exames nacionais.
Confesso que não tenho esperança de que esta gente alguma vez consiga entender o que na verdade está em jogo. De novo alguma notas.
Relatórios da OCDE e da UNESCO têm sustentado que a colocação dos alunos com piores resultados escolares em ensino de carácter técnico e vocacional, em vez da aposta nas aquisições escolares fundamentais, aumenta a desigualdade social.
Quero deixar claro, tenho-o escrito e afirmado, que é importante diversificar a oferta formativa, a diferenciação de percursos, de forma a conseguir um objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem atingir alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão. Aliás, a oferta formativa de natureza profissional a alunos mais velhos, no âmbito do ensino secundário, pode ser um passo nesse sentido desde que não canalizado para os "que não servem" para a escola.
A questão que considero fortemente discutível num plano técnico e ético é a introdução desta diferenciação tão cedo e“obrigatória” para os que chumbam. Poucos sistemas educativos assumem este entendimento e o facto de o ensino alemão, a inspiração de Crato e colaboradores, o admitir não é nenhuma chancela de correcção do modelo como atestam as apreciações internacionais.
Os alunos com insucesso, estamos a falar, presumo, de gente com capacidades "normais" irão “obrigatoriamente para” o ensino vocacional. Sabe-se que o insucesso escolar é mais prevalente em famílias mais desfavorecidas embora também conheçamos as excepções, muitas. Assim, mantemos a velha ordem, os mais pobres "destinados" preferencialmente para o trabalho manual, os mais favorecidos preferencialmente para o trabalho intelectual como a UNESCO reconhece.
Por outro lado, alunos de 12 ou 13 anos, não "optam" pelo seu percurso, como sabem se forem sérios. Aliás, nem a lei nem a sua maturidade lhe permitem "optar", o aluno não é o seu encarregado de educação, por alguma razão isto acontece. Claro que a escola poderá sempre "optar" por ele, canalizando os que "atrapalham" os bons alunos para o ensino vocacional.
O MEC afirmou em tempos que os pais devem autorizar ou eles próprios optar, demagogia manhosa mais uma vez. Quem conhece as nossas escolas sabe bem da margem de negociação e do nível de envolvimento dos pais dos alunos candidatos a esta via, os de insucesso, e que esta "autorização" é uma questão burocrática.
Afirma-se ainda que o aluno pode retornar ao ensino "regular" fazendo os exames nacionais de ciclo. Qualquer pessoa que conheça o mundo da educação, sabe que a probabilidade de um aluno que tenha frequentado uma via mais "prática" durante o 3º ciclo mesmo que tendo o mesmo currículo a Português, Matemática e Inglês, apresentar-se a exame nacional do 9º ou do 12º e ser bem sucedido é residual, mais uma vez haverá excepções, mas serão isso mesmo. Sejamos sérios, a esmagadora maioria destes miúdos não voltará ao percurso normal sendo "empurrados" aos 13 anos para a via vocacional. Pena terem acabado os tempos do meu sogro e do mestre Marrafa que, como milhares de outros, começaram a trabalhar aos dez anos. Não atrapalharam ninguém na escola e é sempre necessário quem faça o trabalho "prático".
Não me surpreende que esta decisão do MEC suscite a adesão de alguns, professores ou pais. Uns verão as suas salas de aulas, outros verão os seus filhos mais afastados dessa gente fracassada que só serve para trabalhos manuais "práticos", "vocacionais". É claro que se a medida tocar aos seus filhos a questão é outra, aí exigirão apoios ou procuram-nos fora da escola para tentar outro percurso.
A diferenciação dos percursos, necessária e imprescindível reafirmo, deve surgir mais tarde, como se verifica na maioria dos sistemas educativos que se preocupam com os miúdos, com todos os miúdos.

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