quarta-feira, 25 de setembro de 2013

AS PALAVRAS QUE OFENDEM

Depois do episódio que envolveu Miguel Sousa Tavares que baptizou o Presidente da República de "palhaço" o que motivou um pedido de inquérito à PGR, tivemos o episódio de um cidadão de Elvas que enviou um recado também a Cavaco Silva no sentido de o mandar "trabalhar" e ainda, de acordo com os seguranças mas negado pelo cidadão, ter-lhe-á chamado "chulo" e "malandro". Claro que o cidadão foi detido e condenado rapidamente, como se sabe em Portugal a justiça é célere, a uma multa de 1300€.
Hoje foi conhecida a decisão do Tribunal da Relação do Porto, um tribunal que nos tem habituado a decisões bizarras e incompreensíveis, que entendeu que expressões como “abaixo estes ladrões” ou “incompetentes” dirigidas por um contribuinte a um serviço de finanças não podem ser consideradas um “crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva”. A decisão do Tribunal responde a um recurso do cidadão que tinha sido condenado a multa por ofensa.
Como é evidente, o respeito e a dignidade das funções das pessoas não podem ser atropelados por um entendimento excessivamente elástico da liberdade de expressão. Na verdade e como todos reconhecemos, chamar palhaço, chulo e malandro, ladrões ou incompetentes é em Portugal uma raríssima e particularmente grave forma de insulto, tanto que a maioria de nós nunca a usa por pudor e vergonha de proferir tal enormidade.
Acho sempre curioso o alarido que situações como estas levantam pois, apesar de nada querer branquear, as "ofensas" desta natureza são extraordinariamente frequentes na nossa vida política e não só.
Com demasiada regularidade são usados termos no âmbito da saúde mental, esquizofrenia ou autismo, por exemplo, para adjectivar comportamentos e discursos na vida política quando tal uso é uma enorme ofensa ao sofrimento das pessoas e das famílias que lidam com quadros clínicos desta natureza.
Parece-me uma enorme ofensa à honra e dignidade afirmar que temos de empobrecer quando um terço dos portugueses vive no limiar de pobreza.
Parece-me uma enorme ofensa as despudoradas mordomias e salários que alguns arautos dos sacrifícios e da austeridade usufruem.
Parece-me uma enorme ofensa, afirmar que o desemprego é uma janela de oportunidade num país com um milhão de desempregados, mais de metade sem subsídio e com cerca de 40% dos jovens sem trabalho.
Muitos velhos que conheço e que têm pensões e reformas miseráveis sentiram-se ofendidos quando o Presidente da Republica afirmou que os milhares de euros de reforma de que disporá não lhe chegarão para as despesas pessoais.
Enfim, o que mais existem são exemplos de como as palavras que por aí se soltam podem ofender.
Do meu ponto de vista, este tipo de situações e tratamento que lhes é dado, referências aos "palhaços", "malandros", "chulos", "incompetentes" ou "ladrões", "chulos" e o "vai trabalhar", etc., mais não fazem do que justificar a mais comum das referências da linguagem corrente, a "palhaçada" que tudo isto representa e que, como sempre, tem palhaços ricos e palhaços pobres.
Siga, pois, o circo. Na falta do pão.

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