quarta-feira, 10 de julho de 2013

O IMPOSSÍVEL COMPROMISSO

Em síntese, Cavaco Silva mantém este Governo com restyling ou sem restyling e define uma agenda para um "compromisso de salvação nacional" a estabelecer entre PSD, PS e CDS-PP que defina um acordo de médio prazo envolvendo três pontos chave, eleições em Junho de 2014, apoio dos  três partidos ao Governo actual e apoio ao Governo que sair dessas eleições em 2014, fim do mandato de governo da Troika.
O Presidente volta a insistir na esgotada fórmula do apelo ao consenso. Recordo que em Junho, numa intervenção em Bruxelas, Cavaco Silva afirmou “O consenso político não é aquele que talvez eu gostaria e que outros gostariam, mas a responsabilidade é totalmente dos partidos políticos” e veja-se o que neste curto espaço de tempo se passou.
Na intervenção de hoje volta a responsabilizar as lideranças políticas pelo falhanço do "compromisso" que defendeu, acrescentando que os portugueses serão capazes de tirar ilações dessas responsabilidades.
É verdade Presidente, os portugueses retiram ilações e definem responsabilidades, veja os índices de confiança na classe política, os índices de abstenção e a desesperança instaladas. Creio mesmo que o Senhor é que não tira ilações dessas responsabilidades e suporta o insuportável.
Contrariamente ao que a maioria das lideranças parece acreditar, incluindo o Senhor, a realidade não é a projecção dos nossos desejos, diariamente ouvimos discursos dizendo-nos, por exemplo, que estamos no bom caminho e o desemprego continua a crescer. E o Senhor sabe bem, sim não vale a pena dizer que não é político, que na cultura e na praxis política que temos, “consenso” ou variantes como “pacto de regime”, “desígnio”, “grande projecto”, etc., fazem parte do núcleo duro da retórica política e constituem referências obviamente inconsequentes.
A partidocracia instalada leva a que, na generalidade das matérias, os interesses partidários se sobreponham aos interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e muitas vezes estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses e clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o interesse geral. O Presidente, o Primeiro-ministro, os parceiros sociais, as lideranças partidárias e sociais sabem-no bem, fazem parte do sistema, pelo que os seus discursos se inscrevem no próprio funcionamento do sistema e que conduz ao que temos, sendo que as alternativas prováveis não são particularmente animadoras.
A conflitualidade inerente aos interesses da partidocracia tornam obviamente impossível o estabelecimento formal do tal entendimento alargado ou consenso.
O que a história a autoriza a considerar como plausível, é definição de uma cenário de mudança com base numa "negociação" mais ou menos discreta e não ameaçada pela alternância de governo entre os chamados partidos do arco do poder pois, em substância, a questão é justamente o poder. As experiências governativas envolvendo "entendimentos" entre PS e PSD mostram isso mesmo, morrem, pois acabam por não "servir" a nenhum deles.
Assim sendo, os partidos, movimentos ou cidadãos que não têm voz nos corredores do poder, ficarão sempre de fora do entendimento ou do consenso pelo que o poder mesmo que em alternância, é a democracia a funcionar, dirão, acaba por estar basicamente nas mesmas mãos, sendo que estes que não "chegam" a estar representados no poder são a maioria. Aliás e curiosamente, já se fala em possíveis "entendimentos" entre PS e CDS-PP num cenário de governação pós-Passos Coelho.
Não vale a pena, pois, dar excessiva importância aos apelos a entendimentos e consensos alargados pois, obviamente, não servem os interesses imediatos da luta pelo poder e não passam de retórica gasta e, naturalmente, sem consequências substantivas.
Como referi num texto anterior, a manutenção desta solução governativa é justificada com a ideia de uma imprescindível estabilidade política. Como é óbvio, não creio que exista alguém que sustente a instabilidade política como um bem. Mas a questão central, do meu ponto de vista, é que a estabilidade assenta em políticas sólidas, claras e transparentes, sérias e credíveis, com visão, viradas para as pessoas. Estas características, entre outras é que dão estabilidade, segurança, confiança, às pessoas.
Por outro lado, a estabilidade não é a manutenção de pessoas e de políticas que têm falhado, nacional e internacionalmente, como alguns dos autores principais reconhecem e os resultados conhecidos atestam, não é a falha sucessiva de previsões e objectivos, não é um permanente jogo de interesses e de gestão dos poderes pessoais e partidários. A estabilidade não pode assentar na pobreza, exclusão e desemprego crescentes. A estabilidade não se alimenta da desesperança que nos invade. Tudo isto é que verdadeiramente constitui a instabilidade.
Assim, paradoxalmente, em nome da estabilidade prolonga-se e sustenta-se a instabilidade acreditando num salvífico compromisso que parece impossível.

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