quinta-feira, 9 de maio de 2013

DUAS MÃES, DOIS PAIS. De novo.

A propósito de nova discussão no Parlamento e porque é uma questão que continua em aberto, retomo a questão da homoparentalidade, mais precisamente a adopção de crianças por casais de homossexuais. O PS apresentará uma proposta possibilitando a adopção em algumas situações e o BE defende que tal possa acontecer sem restrições. A Ordem dos Advogados divulgou um parecer contra fundamentando na ideia de "família natural" o que faz pressupor para a Ordem dos Advogados que numa situação em que uma mãe jovem fique viúva e decida viver com a sua mãe, ficando assim a sua filha ou filho a viver com duas mulheres, teremos uma família "não natural" que, eventualmente, colocará a criança em risco. É fraco o argumento.
Na verdade esta uma das matérias cuja abordagem e discussão mais é contaminada por questões de valores e que estará em permanente discussão.
Há alguns meses, foi referenciado por alguma imprensa em Portugal uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que entendeu que a Áustria violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por não ter permitido a adopção co-parental a um casal homossexual. Na sua decisão, o Tribunal citou Portugal como um dos países com o mesmo entendimento que a Áustria.
Parece-me de referir que o Tribunal Europeu considerou que o Governo austríaco não apresentou provas sólidas de que seria “prejudicial para uma criança ser adoptada por um casal homossexual ou ter legalmente duas mães ou dois pais”.
Creio que algumas pessoas estarão lembradas da discussão gerada quando também já algum tempo o Tribunal de Família e de Menores do Barreiro decidiu a atribuir a guarda provisória de uma criança a um casal homossexual. A decisão não configura a atribuição de responsabilidades parentais e muito menos a adopção, possibilidade que foi apreciada e chumbada pelo Parlamento português em Fevereiro do ano passado e que agora volta a ser discutida. No entanto, na altura os termos da decisão do Tribunal do Barreiro pareceram contribuir para um argumentário favorável à adopção, o que foi mais uma peça para o debate que tem continuado sobre a homoparentalidade.
A questão da adopção por parte de casais homossexuais é, com muita frequência, dirimida mais em torno dos valores que da racionalidade da argumentação. Sem querer, nem sequer consigo, trazer nada de novo para esta discussão, apenas retendo deixar algumas notas.
As três grandes preocupações ou obstáculos mais frequentemente aduzidas para inibir a adopção por casais homossexuais são a eventual dificuldade da criança em lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e o risco de problemas de comportamento e também o risco acrescido de serem alvo de discriminação, por exemplo, em contextos escolares.
Como foi afirmado há algum tempo numa conferência realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão de algumas dezenas de estudos sobre este conjunto de razões realizada pela Associação Americana de Psicologia, motivou uma resolução da Associação, em 2004, que não confirma nenhuma destas preocupações o que também transpareceu em alguns testemunhos expressos num trabalho que o Público realizou na altura. Parece ainda de registar que em 2010, a Associação Americana de Psiquiatria  afirmava "apoiar as iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e co-educar crianças".
Neste sentido, podemos também lembrar que a maioria das pessoas homossexuais terão sido educadas em famílias heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador integrando situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas razões em contexto escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as crianças da escola mas, pelo contrário, combater a discriminação sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma forma propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a certeza mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de quem delas cuida, pais, mães ou educadores. Quando as crianças são bem tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
O que as crianças quase sempre não sabem como resolver é quando têm por perto adultos, heterossexuais ou homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos com um discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
Parece bem mais importante defendê-las dos males comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.

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