domingo, 10 de março de 2013

O PESO BRUTAL DOS DIAS DE CHUMBO

A propósito da entrevista de José Gil, hoje divulgada, e que me parece merecer reflexão atenta, gostava de deixar algumas notas retomadas de textos que aqui tenho colocado.
Nos últimos tempos têm-se sucedido episódios que apesar de frequentes noutras paragens, são relativamente raros entre nós, embora também não inéditos, isto é, reacções significativas de violência em manifestações e de hostilidade dirigida às figuras representantes do poder político.
Estas manifestações, que a retórica política manda designar como descontentamento normal em democracia, mas que as condições de vida, ou melhor, a falta delas, sugerem que se pense em indignação e revolta por se sentirem ultrapassados os limites. Não adianta esperar os efeitos de sucessivos elogios que os líderes políticos fazem aos portugueses, “o melhor povo do mundo” como nos designou Vítor Gaspar.
A brutal deterioração das condições de vida dos portugueses, a percepção de assimetria nos sacrifícios e a ausência de esperança, as constantes e pesadíssimas medidas, chamadas de austeridade, conjugadas com as dificuldades decorrentes da própria situação económica estão a colocar a resistência de muitas pessoas nos limites ou para além dos limites. O desemprego atingiu um nível recorde, prevendo-se ainda o seu crescimento, o que representa uma fortíssima ameaça à dignidade das pessoas e testa fortemente a sua paciência e a contenção da indignação e revolta.
A desesperança e a luta diária pela sobrevivência contribuem para instalar um perigosíssimo sentimento de “já não há nada a perder”, perdemos, roubaram-nos, tudo.
O crescimento de um clima de desconfiança face ao poder e ao futuro e a desesperança em mudanças significativas em tempo útil, em cima de situações como desemprego, por exemplo, podem provocar níveis de sofrimento que potenciem fenómenos reactivos de natureza agressiva mais extremados e dirigidos a terceiros, os identificados como responsáveis, caso dos ocupantes da cargos políticos de relevo, ou mesmo dirigidos contra si próprio como em casos de imolações suicídios como se tem assistido na Grécia e em Espanha e também por cá, ainda não como forma assumida de protesto, mas como reacção limite ao desespero. Dito de outra maneira, os comportamentos correm o risco de forma cada vez mais intensa conterem cargas emocionais que potenciam o seu descontrolo.
Aliás, se bem atentarmos nos testemunhos recolhidos em manifestações ou protestos, é bastante clara essa carga emocional e que envolve os comportamentos observados, traduzindo-se em gestos e acções extremados pois este sentimento, não há nada a perder, apenas precisa de um “gatilho” para se possam desencadear movimentos fortíssimos de revolta e comportamentos dificilmente controláveis. Este “gatilho” pode ser mais um conjunto de medidas cegas e injustas, declarações insensatas de alguns responsáveis, um excesso policial, etc.
Tudo isto gera, está a gerar, um caldo de cultura em que se corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam identificar e nos quais as lideranças políticas querem desesperadamente acreditar.
Como o povo diz, “quem semeia ventos, colhe tempestades". E os tempos carregam um peso de chumbo.

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