sábado, 8 de dezembro de 2012

O LUXO DO DESPERDÍCIO

No Público de hoje divulga-se um trabalho muito interessante “Do Campo ao Garfo – Desperdício Alimentar em Portugal que será divulgado ciclo de conferências em curso da Fundação Gulbenkian sobre o futuro da alimentação.
Creio que por mais atento que estejamos dificilmente admitimos que desperdiçamos cerca de um milhão de toneladas de alimentos por ano entre a produção e o consumo.
Creio que muitas vezes achamos que desperdício é coisa de gente rica, os pobres não não desperdiçam o que, obviamente, não corresponde à realidade como o estudo evidencia.
O desperdício é um subproduto dos modelos de desenvolvimento e dos sistemas de valores que deveria merecer uma fortíssima atenção.
Há algum tempo, o Parlamento Europeu aprovou um relatório segundo o qual a União Europeia que tem 79 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, 15,8% da população, e desperdiça anualmente cerca de metade do que consome em alimentos. Este desperdício corresponde a 89 mil milhões de toneladas, um número verdadeiramente assombroso. O Parlamento Europeu estabelece como objectivo para a Comissão reduzir em 50% o desperdício até 2025.
Relembro que 2010 foi o Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão e o resultado está à vista, 79 milhões de pobres, cerca de 2,7 milhões em Portugal. Parece-me também oportuno recordar que recentemente também a Comissão Europeia publicou um relatório mostrando como as medidas de austeridade em Portugal estão a agravar as assimetrias sociais. Aliás, também hoje se conhece o apelo de vários ministros dos assuntos sociais de países europeus que na Convenção Europeia contra a Pobreza e Exclusão contra as políticas de cortes nas áreas sociais de que eles, alguns deles, também são responsáveis.
Quando tanto se fala de produtividade, em nome da qual, se ameaça a dignidade das pessoas e se lhes piora as condições de vida talvez fosse altura de também nos centrarmos no desperdício e nos seus efeitos devastadores.
Neste quadro releva a necessidade urgente de ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, combater desperdícios consequência desses modelos, diminuir efectivamente o fosso intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no sentido da construção de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição de privilégios incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a situações de exclusão extrema para bastantes outros.
Este estudo é uma peça importante e um contributo caseiro, próximo de nós, para esta necessidade de repensar os modelos de desenvolvimento e a cultura em matéria de produção e consumo de produtos alimentares.
Provavelmente, escrever sobre estas questões em espaços desta natureza tem alcance zero, mas continuo convencido que é fundamental não deixar cair a preocupação, talvez seja melhor chamar-lhe a indignação, com a pobreza e exclusão para as quais os níveis inaceitáveis de desperdício dão um forte contributo.

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