quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

AS METAS CURRICULARES. Parte da solução ou parte do problema

A propósito do recente despacho do MEC sobre o calendário de operacionalização das metas curriculares, a Associação dos Professores de Matemática vem afirmar que as metas curriculares não só “contrariam substancialmente o programa de Matemática do ensino básico”, em vigor desde 2010 como implicam  “desvalorização de capacidades de exigência cognitiva mais elevada, como a compreensão e a aplicação de conhecimentos e a resolução de problemas”, privilegiando “a memorização dos factos e procedimentos”. Afirma ainda que representam um retrocesso no ensino comprometendo os resultados positivos que os últimos dados dos estudos comparativos internacionais demonstraram.
Ainda sobre este tema, relembro que também os autores do Programa de Matemática expressaram a sua posição crítica, assim como a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática referiu a desactualização das metas curriculares estabelecidas e criticou o facto de se substituir as metas de aprendizagem em fase de experimentação sem o óbvio processo de avaliação.
Como já referi, não tenho conhecimentos para analisar a bondade de argumentação sobre os conteúdos das metas, mas, como já fiz, retomo algumas notas de natureza mais genérica.
As metas curriculares podem funcionar como uma ferramenta orientadora e muito útil para o trabalho de alunos e professores. Para que tal aconteça, para além do seu ajustamento aos programas em vigor, importa que, lembrando João dos Santos, sejam de simples utilização e operacionalização.
Vejamos o exemplo do 1º ciclo e apenas Matemática.
No que respeita à Matemática são definidos 3 domínios que se desdobram como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62 descritores, no 2º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no 3º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6 sub-domínios, 15 objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72 objectivos e 323 descritores para Matemática do 1º ciclo.
Se juntássemos Português teríamos um total de 177 objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano 33 objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51 objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra, uff.
Por outro lado, como também já escrevi, a lógica de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja os objectivos são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao MEC, acontecem exactamente no final de ciclo. A definição exaustiva de metas curriculares por ano de escolaridade faz emergir o risco de uma leitura fechada, relembro que serão obrigatórias a partir de 2013/2014.
Este entendimento pode levar a que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos. Aliás, neste contexto é preocupante a afirmação dos autores das metas curriculares, de que estas estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”.
Este cenário, aplicado a turmas do 1º ciclo, com 26 alunos (os agrupamentos e mega-agrupamentos assim o determinarão em muitos casos), algumas com alunos de diferentes anos de escolaridade, com ritmos e assimetrias nos seus percursos e competências, deixa-me uma imensidade de dúvidas sobre a aplicação das metas curriculares, tal como estão definidas, não esquecendo que ainda faltam as respeitantes às outras áreas do currículo.
Se por acaso algum ou alguns professores do 1ºciclo lerem estas notas, gostava de saber a sua apreciação.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo confessar que estou apreensivo tal como os autores do Programa de Matemática e a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática e a Associação dos Professores de Matemática.

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