sexta-feira, 14 de setembro de 2012

AS METAS CURRICULARES EM UTILIZAÇÃO. Parte da solução ou parte do problema

Na altura da discussão pública sobre as metas curriculares escrevi.
“As metas curriculares podem funcionar como uma ferramenta orientadora e muito útil para o trabalho de alunos e professores. Para que tal aconteça, para além do seu ajustamento aos programas em vigor, importa que, lembrando João dos Santos, sejam de simples utilização e operacionalização.
Neste sentido, o documento do MEC, que se encontra em discussão levanta uma enorme reserva. Vejamos o exemplo do 1º ciclo e apenas para Português e Matemática.
Em Português, temos três domínios que no 1º ano se desdobram em 20 objectivos e 81 descritores, no 2º ano em 25 objectivos e 86 descritores, no 3º ano 29 objectivos e 104 descritores e no 4º ano em 31 objectivos e 109 descritores. Em síntese, para os quatro anos do 1º ciclo, em Português, temos 105 objectivos e 380 descritores.
No que respeita à Matemática (…)
Estas duas áreas do currículo, Português e Matemática, envolvem no total 177 objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano, 33 objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51 objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra, uff.
Por outro lado, como também já escrevi, a lógica de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja os objectivos são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao MEC, acontecem exactamente no final de ciclo. A definição exaustiva de metas curriculares por ano de escolaridade faz emergir o risco de uma leitura fechada, relembro que serão obrigatórias a partir de 2013/2014.
Este entendimento pode levar a que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos. As metas, segundo os autores,  estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”. Por curiosidade, dois exemplos de descritores de Português que deverão ser “formalmente ensinados”, “Apropriar-se de novos vocábulos: reconhecer o significado de um mínimo de 150 novas palavras, relativas a temas do quotidiano, áreas de interesse dos alunos e conhecimento do mundo (exemplos de áreas vocabulares: casa, família, escola, vestuário, profissões, festas, animais, jardim, cidade, campo)” ou “Ler pelo menos 45 de 60 pseudo-palavras (sequências de letras que não têm significado mas que poderiam ser palavras em português) monossilábicas, dissilábicas e trissilábicas (em 4 sessões de 15 pseudo-palavras cada)”.
Este cenário, aplicado a turmas do 1º ciclo, com 26 alunos (os agrupamentos e mega-agrupamentos assim o determinarão em muitos casos), algumas com alunos de diferentes anos de escolaridade, com ritmos e assimetrias nos seus percursos e competências, deixa-me uma imensidade de dúvidas sobre a aplicação das metas curriculares, tal como estão definidas."
O trabalho muito interessante desenvolvido pela Professora Dulce Gonçalves sobre as metas curriculares de Português no 1º ciclo, hoje citado no Público, é um exemplo muito claro das reservas que me suscitam a forma e modelo de definição das metas curriculares, obrigatórias a partir do próximo ano lectivo.

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