quarta-feira, 6 de junho de 2012

TUDO BONS RAPAZES

Passos Coelho elogiou hoje a "extrema paciência" que os portugueses têm demonstrado nestes tempos que atravessamos. Há algumas semanas, também numa espécie de profissão de fé, Cavaco Silva afirmou que acredita na manutenção do “clima de paz e coesão social" e Vítor Gaspar disse na sede do FMI que “as pessoas estão completamente dispostas a sacrificar-se e a trabalhar … desde que o esforço seja distribuído de forma justa”.
Mais uma vez parece-me de reflectir sobre esta convicta confiança na paciência, resistência e capacidade de sacrifício dos portugueses.
As sucessivas e pesadíssimas medidas, chamadas de austeridade, conjugadas com as dificuldades decorrentes da própria situação económica estão a colocar a resistência de muitas pessoas nos limites ou para além dos limites. O desemprego atingiu um nível recorde, bem acima 15%, prevendo-se ainda o seu crescimento, o que representa uma fortíssima ameaça à dignidade das pessoas e testa fortemente a sua paciência e a contenção da indignação e revolta.
Por outro lado, e do meu ponto de vista de forma muito grave, muitas afirmações de gente politicamente responsável têm sido profundamente infelizes, para ser simpático, mas na verdade insultuosas e inaceitáveis face aos problemas que colocam 2,7 milhões de portugueses à beira da pobreza e da exclusão. Os exemplos são muitos, o caminho é empobrecer, emigrar é uma saída, custe o que custar, não se queixem, é preciso abandonar a zona de conforto, o desemprego pode ser uma oportunidade, etc., quando, simultaneamente, o estado, muitas instituições e figuras continuam a promover gastos e a usufruir de mordomias e rendimentos que não se compreendem e aceitam.
Tudo isto gera um caldo de cultura em que se corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam identificar e nos quais as lideranças políticas querem desesperadamente acreditar. Como o povo diz, “quem semeia ventos, colhe tempestades".
Na verdade, dizem que somos reconhecidamente um povo de brandos costumes, dizem. Não abusamos da violência e quando o fazemos é no recato do lar, quando muito, no quintal ou num desaguisado de trânsito, nada que possa configurar violência pública ou convulsão social graves. A nossa violência, é uma violência de proximidade.
Somos mesmo um povo tranquilo e de brandos costumes, uma das apreciações que os estrangeiros quase sempre referem como característica dos portugueses.
A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.

1 comentário:

anónimo paz disse...

Há povos de acção e de reacção, outros de reflexão e conjectura.

O povo Português tem na sua génese o sacrifício + ou - silencioso mas... INOFENSIVO.

Expurgamos as nossas dores através da canção Nacional.

Por isso não acredito no cansaço de sermos bons rapazes. Vamos continuar a dar a parte posterior do pescoço à canga.


saudações