quinta-feira, 4 de agosto de 2011

ÉS O QUE TENS, MESMO A CRÉDITO

Retomando umas notas de um texto de há algum tempo, creio que um dos mais preocupantes sinais dos tempos, quer no que respeita a valores, quer no que respeita a dificuldades económicas, designadamente o nível de desemprego, é a quantidade de famílias em situação de sobreendividamento e o nível altíssimo da dívida face aos orçamentos familiares.
Segundo dados da DECO, citados hoje no DN, aumentaram este ano 52% os pedidos de ajuda em casos de sobreendividamento. As famílias em dificuldade que a si recorrem evidenciam frequentemente uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receber 1000 €, 900 estão destinados ao pagamento de créditos e em média têm que gerir 8,6 créditos, um assombro. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de imprevisto, desemprego por exemplo, para que se rompa o equilíbrio e as famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis e complicadas consequências. A DECO recomenda 40% como a taxa de esforço aceitável e prudente.
Parece-me claro que este cenário não decorre, como muitas vezes ouvimos, exclusivamente da situação de crise económica que atravessamos. Radica, do meu ponto de vista, nos modelos económicos e sistema de valores que nos envolvem.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude, instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que cada um de nós não olha assim para a vida mas na verdade é difícil resistir à pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens ou estilos de vida que "atestem" como "somos" gente. É o crédito da casa, do carro, da mobília, das férias, do casamento do filho, do plasma, etc. etc. Tudo bens a que obrigatoriamente temos de aceder como prova de que somos gente, embora se verifique ainda o recurso ao crédito até para tratar questões de saúde.
Por outro lado, as instituições financeiras que concedem crédito estiveram durante demasiado tempo bastante mais atentas aos seus próprios interesses que aos riscos das pessoas que a elas recorrem. Actualmente, revelam-se bastante mais selectivas e cautelosas devido à subida enorme do valor do crédito malparado e dos seus próprios custos de financiamento.
Este tipo de problemas é apenas mais um indicador de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e desenvolvimento. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.

2 comentários:

anabela disse...

Não nos podemos esquecer que esta dádiva de crédito , foi uma politica muito bem estudada e planeada para fazer da "malta" escravos do trabalho. Porque se estou completamente dependente do meu salário para pagar a casa, o carro ou os carros, o plasma etc., etc., e poderia alegremente ser concedido 5 e 6 créditos, mentalmente deixo de ter direitos, a única coisa que me interessa é manter o emprego (a qualquer preço) caso contrário estou morta...
Claro que numa sociedade de consumo em que se cultivou a ideia de "quem não tem cartãozinho não tem carrinho" (anuncio da Nova Rede) chegámos ao ponto onde estamos. No entanto acho que as pessoas tinham direito a ter o que desejavam. Ninguém tem culpa que durante tantos anos Portugal fosse um país paupérrimo tanto em bens como em ideias, e que de repente tenha aparecido o mundo do Oásis, em que tudo é permitido.
Tenho muita pena que estejamos a viver novamente um momento, e penso que se ira prolongar por muito tempo, em que voltamos aos POBREZINHOS OS RICOS E NO MEIO ESTÃO OS REMEDIADOS.

Zé Morgado disse...

Sinais dos tempos