domingo, 13 de fevereiro de 2011

FORMAÇÃO A MAIS? Não, desenvolvimento a menos e regulação da oferta formativa e das regras do mercado de trabalho também a menos

À boleia do estouro da canção dos Deolinda, "Parva que sou" em vias de ser transformada numa bandeira ainda não se sabe bem de quê, o Público volta a apresentar uma peça sobre a relação entre os licenciados e o mercado de trabalho. Desta vez, parece-me uma abordagem mais equilibrada do que é habitual na imprensa embora, tal como a canção, continue a deixar instalar a ideia de que não adianta estudar porque o destino é o desemprego, veja-se o titulo em primeira página. Assim, retomo algumas notas que me parecem oportunas.
Uma questão inicial que me parece sempre de acentuar é que, primeiro, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura tal como a peça do Público indicia. Os trabalhos jornalísticos sobre esta questão deveriam ir mais longe no sentido de se perceber como a demissão e a negligência da tutela do ensino superior permitiram a instalação de oferta de ensino superior completamente desequilibrada (cursos em excesso em várias áreas) e a instalação de cursos de banda estreita, oferecidos com publicidade enganosa, obviamente destinados a dificuldades na entrada no mercado de trabalho. Uma pesquisa sobre a designação de muitos cursos além de coisas verdadeiramente anedóticas mostraria bem como qualificando à partida de forma tão direccionada (a banda estreita), rapidamente se esgota a capacidade de absorção do mercado de trabalho. Lembro-me de ofertas por exemplo, nas área das engenharias e das ciências sociais que são no mínimo risíveis e, claramente insustentáveis. Insisto na enorme responsabilidade da tutela do ensino superior nesta matéria.
No que respeita ao mercado de trabalho é, mais uma vez, de sublinhar que muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as que asseguram cerca de 95% do emprego), provavelmente também devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (é um dos mais baixos da UE e, estranhamente, nunca é associado a esta questão), revelam-se as mais avessas à contratação de mão de obra qualificada. Deve também sublinhar-se que este universo, pequenas e médias empresas, salvo algumas excepções de nicho, é também o segmento com menor inovação e desenvolvimento pelo que a absorção de mão de obra qualificada é ainda mais difícil.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e do INE, alguns referidos na peça do Público, sabemos que um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Quanto à questão da precariedade que atinge os jovens licenciados à entrada no mercado de trabalho, aspecto dramático e inibidor da construção de projectos de vida, é bom ser absolutamente claro, esta situação não atinge os jovens licenciados por serem licenciados, atinge toda a gente que entra no mercado de trabalho porque a legislação e regulação do mercado conduzem a esta situação, trata-se dos efeitos da agenda liberal e não o efeito da qualificação dos jovens, é bom que se entenda.
Deste quadro, releva a absoluta imprudência de passar a mensagem de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino como muitas vezes esta questão é tratada, embora o trabalho de hoje do Público coloque algumas das questões que aqui aflorei de forma telegráfica.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior e, naturalmente, a regulação eficaz do mercado de trabalho minimizando o abuso do recurso à precariedade.
Como sempre que abordo estas matérias, finalizo com a necessidade de, uma vez por todas evitar o discurso "populista" do país de doutores. Trata-se de um enorme erro e pode desincentivar a busca por qualificação o que terá consequências gravíssimas.

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