quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A ESCOLA DE "OUTROS TEMPOS"

Um estudo de opinião ontem divulgado surpreendeu pelo saudosismo revelado uma vez que mais de metade dos inquiridos entende que estamos em piores circunstâncias que antes de Abril de 74 e ainda pior que antes da entrada na União Europeia. Mais revelava, aqui já não inesperadamente, um fortíssimo pessimismo, preocupação e desconfiança, designadamente nas lideranças políticas. Este sentimento, é, do meu ponto de vista a verdadeira explicação para o saudosismo revelado, ou seja, "hoje estamos muito mal, não vamos ficar melhor pelo que antes sempre se estava melhor".
Não resisto a dar uma achega para esta ideia comparativa com "outros tempos" recuperando umas notas que há algum tempo aqui tinha deixado sobre a área a que sou mais sensível, a educação.
Em muitas das conversas sobre a escola e as dificuldades que atravessa, envolvendo alunos, pais e professores, aparecem com alguma frequência alusões ao “antigamente a escola era melhor”, aliás, este tipo de discurso não é só dirigido à escola. Eu sei que a escola, a educação, atravessa tempos muito complicados e problemas sérios, mas só a falta de memória ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor”. Vou-vos falar um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.
Na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava.
Na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.
Na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
Na escola do meu tempo levava-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
Na escola do meu tempo, ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.
Na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese e missa.
Na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.
Na escola do meu tempo não era grave não aprender, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”.
Na escola do meu tempo, quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas.
Na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino. Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso. As pessoas até podiam ser presas.
Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo ainda tem muitas coisas parecidas com a escola do meu tempo. Mas o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.

1 comentário:

José Camacho disse...

A respeito da noticia que cita, que também me deixou preocupado, lembro-me das historias contadas pelos meus pais, que nasceram no Alentejo mais profundo, sobre a sua vida e dos seus concidadãos. O meu pai fez a 4ª classe já na tropa porque teve vergonha de ir ao exame quando era miúdo. A razão era simples: não tinha botas para calçar. Aliás, nunca tinha usado calçado (isto até parece uma história de Mark Twain). A minha mãe contava-me que só fez até à 2ª classe porque precisava de cuidar dos irmãos mais novos para que os pais pudessem trabalhar, e portanto ia à escola dia sim dia não (ia revezando com outra irmã). Contava-me também que o seu avô, quando ficou velho para trabalhar, ia de porta em porta pedir pão para comer.
Eu nunca vivi nesses tempos mas uma uma coisa ficou clara para mim: para os pobre não há nada do que ter saudades.

É um prazer ler este blog.