quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (2)

Como devem lembrar-se, há alguns dias o Conselho de Ministros aprovou o Quarto Plano Contra a Violência Doméstica com alguns pontos em destaque, formação a magistrados e a agentes policiais e a extensão a todo o país da utilização da vigilância electrónica entre outras medidas.
Em texto na altura recordei que segundo um trabalho do Público em Portugal 59 pessoas cumprem pena de prisão por violência doméstica. Se considerarmos que em 2009 foram realizadas 30543 participações a taxa de condenação é impressionantemente baixa e não me parece de acreditar que tal se deva ao número de participações que serão falsas situações de violência. Em 2010 já morreram 39 mulheres vítimas de violência doméstica.
Por diferentes ordens de razões, parece assumir-se que existe uma espécie de fatalidade face à tolerância do crime de violência doméstica, à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas à atitude conservadora de alguns juízes, etc. É ainda curiosa a referência habitual à dificuldade de proceder à retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
O quadro é dramático mas não surpreende. Um dos mais devastadores efeitos da situação da nossa justiça é a instalação de um sentimento de impunidade generalizado com consequências incalculáveis. Esta situação é agora sublinhada com uma decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que absolve um indivíduo por considerar que as bofetadas que comprovadamente deu na mulher "não consubstancia uma ofensa à dignidade humana" nem colocou "a ofendida em situação degradante". Este é o tipo de mensagem que a justiça não pode passar.
Este sentimento de impunidade está instalado em todas as áreas da criminalidade, não apenas nas situações de violência doméstica. Atente-se em quantos casos de corrupção acabam em condenações a prisão efectiva. Atente-se no tempo e nos expedientes que os processos sofrem, acabando muitas vezes em prescrições ou em penas ridículas. Atente-se nos efeitos de algumas alterações do código penal que permitem que um indivíduo comprovadamente autor de um crime susceptível de pena de prisão, possa ser imediatamente solto e aguardar, se aguardar, o julgamento que demorará um tempo infindo enquanto se mantém em actividade.
Atente-se no comportamento despudorado de muitas das nossas lideranças políticas e partidárias com comportamentos de compadrio, tráfico de influências, distribuição de lugares pelas clientelas, etc.
De facto, tragicamente, temos que concluir que não é estranho o número residual de detidos por violência doméstica.

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