segunda-feira, 18 de outubro de 2010

LINGUAGEM E PODER

Há uns dias o Governo decidiu que a legislação publicada deveria ser acompanhada por um resumo em "português comum" para que o cidadão comum (o que fala português comum) possa entender o texto que no original estará escrito em "juridiquês". O Bastonário dos Advogados manifestou-se contra tal ideia pois a interpretação das leis é matéria de exclusiva competência dos juízes.
O Bastonário, como por vezes lhe acontece, pensou à pressa e como o cidadão comum que fala português comum costuma dizer, "depressa e bem, não há quem". O Dr. Marinho Pinto não entende que aos juízes cumpre administrar a justiça com base nas leis em vigor e que nós os cidadãos comuns temos o direito, sublinho o direito, de entender o que está escrito nas leis que nos regem nos diferentes domínios da nossa vida.
Os códigos de comunicação fechados, sejam de natureza científica ou profissional são nas mais variadas áreas instrumentos de poder, ou seja, apenas os "membros da tribo" dominam a linguagem utilizada pelo que os outros, os comuns, estão impossibilitados de estabelecer relações simétricas e, por exemplo, discutir matérias que lhes dizem respeito porque não percebem a linguagem utilizada.
No nosso quotidiano são inúmeras as situações que ilustram este poder advindo de uma linguagem hermética e desconhecida. A relação de muitos de nós com os técnicos de saúde, com a escola, com serviços públicos, com a informação de natureza económica etc. é, frequentemente uma "comunicação" de sentido único, uns falam, outros escutam mas não entendem e, por isso, não discutem.
No caso particular da justiça é sabido como boa parte do nosso edifício legislativo é produzido por escritórios de advogados que, posteriormente, ganham elevadíssimos montantes em pareceres e interpretações da legislação que eles próprios produziram cheia de armadilhas e alçapões, mais ou menos sofisticados e inacessíveis ao "cidadão comum".
O Dr. Marinho Pinto na apressada defesa dos interesses corporativos que representa, ficou assustado com o facto de um "português comum" poder estar informado sobre as leis que o obrigam sem estar dependente de um douto e caro parecer jurídico. Entende-se.

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