quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O ALUNÃO

Acabou o primeiro período, reúnem-se os professores e atribuem-se as notas. A maioria dos miúdos, felizmente, sairá bem tratada do processo. Com notas mais ou menos elevadas ficarão contentes e o espírito natalício encarregar-se-á de os compensar também da forma possível, pois, como se sabe, o espírito natalício não é igual para todas as famílias, algumas terão até muito pouco espírito natalício este ano.
Outros alunos, apesar de terem alguns resultados menos positivos, encararão, com o apoio dos professores e da família e, naturalmente, com o seu esforço o resto do ano com uma atitude positiva e de confiança assumindo a convicção de como se diz “vão lá”, “são capazes”. Assim deve ser.
No entanto, haverá um grupo de alunos de quem a escola, mesmo estando no primeiro período, desistirá. São os miúdos que “não vão lá”, seja porque “com a família que tem não é possível”, “porque, coitado, não é muito dotado, já o irmão quando cá andou assim era”, “não se interessa por coisa alguma, não anda aqui a fazer nada” ou outra qualquer apreciação entendida como razão. Muitos destes alunos, tal como a escola desiste deles, também eles desistirão da escola, confirmando a antecipação do insucesso, desde já estabelecida.
Num tempo em que a grande orientação é reaproveitar e reciclar o que não serve ou não presta, talvez seja de os municípios, com a orientação do Ministério da Educação, procederem à instalação de um novo recipiente nos ecopontos que quase sempre existem perto das escolas. Assim, junto do vidrão, do pilhão e dos outros contentores, colocar-se-ia um alunão, um recipiente onde se colocariam os alunos que não servem ou não prestam e esperar que algo ou alguém os recicle e devolva à escola novinhos, reciclados, cheios de capacidades e capazes de percorrer sem sobressaltos o caminho do sucesso.
O problema é que somos uma sociedade de desperdícios, até de pessoas, logo das pequenas.

1 comentário:

MFerrer disse...

Porque nesta época era costume cumprir-se o ritual das visitas...
"A minha intuição dizia-me que uma atitude defensiva face aos obstáculos criados pela Assembleia da República não compensava. Procurava então contra-atacar e tornear as dificuldades criadas. Alertava o País e acusava a oposição de obstrução sistemática e de querer impedir o Governo de governar. A oposição, por seu lado, acusava o Governo de arrogância, de seguir a táctica de guerrilha com a Assembleia e de manipular a opinião pública contra ela. [...]

Face à acção dos partidos visando descaracterizar o orçamento [...], o Governo procurou dramatizar a situação, convicto de que isso jogava a seu favor. A seguir ao “Telejornal” do dia 8 de Abril fiz uma comunicação ao País através da televisão. Denunciei as alterações introduzidas na proposta do orçamento apresentado pelo Governo, as quais se traduziam em despesas públicas desnecessárias, aumento do consumo e benefícios para grupos que não eram os mais desfavorecidos da sociedade portuguesa. Procurei mostrar aos Portugueses como era errado e socialmente injusto forçar o Governo a decretar do preço da gasolina, uma clara interferência da Assembleia na área da competência do Executivo, que ainda nunca antes tinha sido feita. Para tornear as dificuldades criadas e para os que objectivos de progresso propostos pelo Governo pudessem ser ainda alcançados, anunciei na televisão um conjunto de medidas compensatórias visando, principalmente, contrariar o excesso de despesa e de consumo induzido pelas alterações feitas pela oposição. O meu objectivo, ao falar ao País sobre o orçamento, era também o de passar a mensagem de que o Governo atribuía grande importância ao rigor na gestão dos dinheiros públicos.

A mensagem de que a Assembleia obstruía sistematicamente a acção do Governo passou para a opinião pública. O Governo, sendo minoritário, surgia como a vítima e acumulava capital de queixa: queria resolver os problemas do País e a oposição não deixava. A oposição não percebeu que, tendo o Governo conseguido evidenciar uma forte dinâmica e eficácia na sua acção, a obstrução ao seu trabalho não a beneficiava. O PS revelava dificuldade em ultrapassar os ressentimentos pelo desaire sofrido nas eleições de Outubro de 1985 e o seu comportamento surgia-me como algo irracional. O Governo e o PSD procuravam tirar partido da situação e alertavam a opinião pública para as estranhas convergências entre o PS e o PCP na Assembleia da República.’
Aníbal Cavaco Silva, "Autobiografia Política. Vol. I" (Temas e Debates, 2002, pp.144-145)