sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O MIÚDO QUE GOSTAVA DO CASTIGO

Um dia destes a professora Paula entrou na biblioteca para apanhar uns livros com que preparar as aulas e encontrou o Professor Velho, o que já não dá aulas, está na biblioteca e fala com os livros.
Olá Paula, tudo bem contigo?
Tudo bem Velho, de volta da preparação das aulas. Dizem que a gente trabalha pouco mas nem sabem o que a gente faz.
Sempre assim foi. Mas como é óbvio também acham que a escola é fundamental para os miúdos e somo nós que fazemos a escola, ou seja, dizem mal de nós e entregam-nos os filhos, ou não gostam dos filhos ou, no fundo, sabem que não somos maus, só uns pouquinhos que também nos fazem mal a nós.
Tens razão Velho. Já que te encontro pergunto-te o que achas desta situação. Julgo que sabes, decidimos que aos alunos que se portarem mal damos um castigo, ficam mais tempo na escola acompanhados de um professor. No outro dia fiquei com o Filipe, tu conheces o Filipe, porque se portou mal e foi castigado. Passados alguns dias, ao intervalo, perguntou-me se podia ir para o castigo. Eu não respondi, achei que ele estava a gozar e fiquei a pensar sem entender muito bem. Que achas Velho?
Que sabes da vida do Filipe?
É complicada, a mãe nunca está em casa e o pai só lhe liga quando lhe bate. Os irmãos, são mais velhos, não se dão muito com ele e passa o tempo só.
Que fizeste com ele no castigo?
Fez o TPC, como não era muita coisa e eu tinha algum tempo ficámos de conversa um bom bocado.
E não estás a perceber porque é que ele te pergunta se pode ir para o castigo?
Claro Velho, conversar, como é que não percebi logo.
Sabes o que é mais curioso e estranho nesta situação? É dar-se como castigo a um miúdo algo de que ele precisa para ser gente.

2 comentários:

Cristina Costa disse...

É excepcional a forma como consegue ser aqui descrito de forma tão clara o que estamos a fazer com as crianças. Queremos que tenham tudo, saibam tudo, e não lhes damos o que realmente precisam para crescer que é amor, suporte emocional e atrevo-me a acrescentar, a possibilidade de serem crianças e poderem brincar.

Zé Morgado disse...

Agradeço-lhe a gentileza do comentário e da inquietação. Pode ser que as coisas de mansinho se vão alterando.