sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

RETRATOS

Sou, creio, como a maioria das pessoas, quando estabelecemos uma relação forte com algo ou alguém, a separação fica bem mais difícil. Assim tem sido a minha relação com uma gripe nova que se ligou a mim vai para uma semana. Afeiçoámo-nos tanto um ao outro que se tornou bastante complicado pôr fim a tal ligação. De tal modo que acabei por necessitar de apoio especializado nestas matérias e fui ao médico. Na sala, entretendo a espera com o jornal, ia imaginando a gripe a despedir-se de mim em pranto e eu, hipócrita, a fingir um ar pesaroso que disfarçasse um suspiro de alívio. Entretanto, entrou uma senhora que depois de simpaticamente cumprimentar os presentes, senta-se, saca do telemóvel e a conversa, não podia deixar ser ouvida, começou assim.
Sou eu, cheguei agora ao médico e lembrei-me de te ligar. E desenrolou-se uma longa conversa da qual, de memória, partilho alguns excertos.
… Tudo bem e tu?
… Ela disse-te isso?
… Já te disse mil vezes que não se pode confiar nela, é uma falsa.
… Tens que fazer como eu, oiço-a, vou dizendo que sim mas não lhe ligo nenhuma.
… Não penses que é só contigo, é assim para toda gente. Para mim não que eu dou-lhe para trás.
… Depois passa a vida a queixar-se armada em sonsa.
… E ele meteu-se na conversa? Depois dizem que as mulheres são metediças. Ele tem um bocado a mania. E não é só ele.
… Também serve para passar o tempo, estou aqui à espera que me chamem para o médico.

De repente oiço chamar por mim, levantei-me e saí quase a correr. Não me despedi nem da senhora, nem da amiga, nem da colega má e do colega metediço. Foi um prazer.

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