sábado, 10 de janeiro de 2009

O ESPECTÁCULO DOS SEM-ABRIGO

A não ser num exercício romântico em torno da ideia do clochard francês que escolhe a rua como acto de resistência e projecto de vida, o sem-abrigo é, por natureza e condição, isso mesmo, um sem-abrigo. Numa sociedade que procura e promove os níveis de bem-estar que já atingimos e que nunca nos satisfazem, a falta de um abrigo, é, creio, a mais despojada das condições. Um abrigo, uma casa, grande ou pequena, constitui uma espécie de céu protector para cada um de nós. É também verdade, que não basta o abrigo para ser protector, nas mais das vezes, para além da falta de abrigo existe um mais sério problema de abandono e solidão.
De vez em quando, por diferentes razões, agora, uma onda de frio, há pouco tempo o Natal, descobre-se a existência de sem-abrigo nas nossas cidades, Então, durante algum tempo, aparecem ad nauseam notícias e peças televisivas, muitas vezes de um nível intrusivo absolutamente terrorista, (creio que foi ontem, durante uma peça num noticiário de rádio, ouviu-se uma voz a dizer qualquer coisa como “olhe que eu sou boa pessoa, mas se vira essa câmara para mim parto isso tudo”). Não questiono a genuína intenção das pessoas e instituições que se disponibilizam para minimizar dificuldades, muitas delas durante todo o ano, embora o problema não seja o cobertor, é o abrigo e a solidão. A minha questão é o lado voyeurista e quase predatório com que boa parte da comunicação social televisiva trata pessoas a que raramente dedica atenção. As perguntas e reportagens, sem decoro nem respeito, que esforçados e incompetentes “profissionais” realizam são quase insultuosas e atentatórias dos direitos das pessoas.
As pessoas sem-abrigo, só não têm abrigo, não são adereços fornecidos por uma qualquer produção para montar espectáculos televisivos.

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