domingo, 11 de fevereiro de 2007

O Referendo

Participei no referendo assumindo uma posição favorável ao sim. Dito isto, gostava de partilhar algumas notas breves a propósito dos resultados.
1 - Fiquei profundamento satisfeito com o conteúdo da primeira declaração produzida pelo PS pela voz desse incontornável estandarte da cidadania em português, o Sr. Dr. Vitalino Canas, que me felicitou, bem como a todos os meus concidadãos, pela "maturidade democrática" de que demos provas. Agradeço a referência e o elogio do Sr. Dr.. No entanto, devo confessar, não sem uma pontinha de embaraço, que me foi extraordinariamente difícil comportar-me de forma adequada, pois foi muito forte a tentação da delinquência, do armar confusão, do dificultar o bom andamento do processo. Creio que só mesmo a perspectiva de ver o Sr. Dr. Vitalino a apontar-me o dedo, a acusar-me de falta de maturidade democrática me permitiu estar agora a escrever esta nota e não colocado numa qualquer Guantanamo para imaturos democráticos prestes a iniciar um processo de recuperação e educação cívica, tutelado por perceptores naturalmente formados por essa figura maior da nossa história contemporânea, o Sr. Dr. Vitalino Canas.
2 - Não gostei das imagens de cidadãos (e cidadãs, desculpe Professor Louçã) provavelmente inspirados(as) pelas claques do omnipresente futebol saltando e gritando para as câmaras de TV "Ganhámos, ganhámos". Não me parece que seja uma "vitória" das nossas cores. Fundamentalmente, creio que quem votou sim mandatou o poder executivo e legislativo e toda a comunidade para ajustamentos no quadro legal descriminalizando, nos limites previstos, o recurso ao aborto, e, sobretudo, para a promoção de dispositivos de apoio e prevenção aos problemas das famílias que minimizem ou eliminem os trágicos riscos da clandestinidade, que promovam equidade no acesso aos apoios e aos serviços, que promovam programas (avaliados) de educação para comportamentos mais saudáveis e com menos risco evitando a gravidez indesejada, designadamente, em adolescentes, etc. Esta parece-me ser uma leitura mais interessante dos resultados.
3 - A sua distribuição mostra também, como era previsível, uma aproximação clara dos resultados à matriz de distribuição geográfica da influência da Igreja Católica. Do meu ponto de vista, a única razão legítima e não hipócrita para votar não, só pode ser mesmo a forte convicção religiosa enunciada num domínio não racional e assumida num processo individual. É, no entanto, interessante analisar o discurso que a Igreja, através de diferentes vozes, foi pronunciando ao longo do processo de discussão no sentido da posse das consciências (de católicos e não católicos). Nesta perspectiva, o texto publicado por J.M. Santos no último Expresso é de uma notável lucidez.

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